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Soroban e o Ensino da Matemática para Cegos

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Luciane Molina*
Converter quantidades em símbolos e registrá-los no papel para efetuar um cálculo é uma das habilidades desenvolvidas através da matemática que se estuda nas escolas. Uma disciplina que ainda é um tabu e  alimenta o pânico, até mesmo entre os alunos mais disciplinados, mas que também precisa fazer parte do currículo e do repertório das crianças com deficiência visual.Por meio do soroban, um instrumento de cálculo surgido na China há mais de quatro séculos, o aluno cego ou com baixa visão pode construir os conceitos de quantidade, realizar operações e desenvolver o raciocínio lógico. Os primeiros sorobans no Brasil chegaram com a imigração japonesa, em 1908, entretanto foi apenas na década de 50 que ele ganhou adaptação para os cegos pelas mãos do professor Joaquim Lima de Moraes, que perdeu a visão devido uma miopia progressiva.

Enquanto o Braille tem ganhado força no cenário educativo, o ensino do soroban ainda ocorre de de forma tímida. Para que o professor do ensino regular aprenda o soroban, é preciso desconstruir a ideia de símbolo associado a uma quantidade e compreender a representação dessa quantidade de maneira concreta, representada pelas contas do soroban que funciona como um tipo de ábaco.

A psicóloga Sabrina Schmitz, 29 anos, conta que sempre estudou em escolas regulares e frequentava a sala de recursos no contraturno, onde aprendeu as técnicas do uso do soroban. Usou o instrumento de cálculo durante todo o ensino fundamental e também quando fez o vestibular. Embora uma de suas professoras tenha aprendido o Braille e o soroban, relatou que os outros docentes ainda tinham algum receio ao ensiná-la. “Meus professores de matemática não sabiam e por isso ficavam preocupados quando iam ensinar algum conteúdo novo, sempre procuravam dar uma maior atenção, explicando para que eu entendesse”, revelou.

Hoje a psicóloga assumiu não mais realizar cálculos pelo soroban, mas acredita ainda manter a agilidade se necessário. Ela também teve o apoio da mãe, que atuava como professora e se especializou em práticas de ensino na área da deficiência visual e apoiava a filha, conferindo em casa os exercícios realizados em sala. Sobre os benefícios do aprendizado da matemática através do soroban, Sabrina concluiu  que ele foi o responsável por ter compreendido os conteúdos. “Acredito que tenha sido o soroban  que me alfabetizou matematicamente falando”.

Rafael Guidolin, também cego desde criança, concluiu o ensino médio em Curitiba. Hoje com 33 anos reconhece que o soroban seja indispensável também em concursos e vestibulares, pois são nesses momentos que não admitem o uso de calculadora.  A partir da Portaria 1010, de maio de 2006, o soroban foi instituído como um recurso educativo específico e imprescindível para a execução de cálculos por alunos com deficiência visual. Segundo a Portaria 1010, o soroban é um contador mecânico adaptado para uso das pessoas com deficiência visual, cuja manipulação depende exclusivamente do raciocínio, domínio e destreza do usuário, diferindo, portanto, da calculadora eletrônica. A partir desta portaria foi permitido Às pessoas com deficiência visual usar o soroban para realizar provas, fazer vestibular, prestar concurso, entre outros. Rafael aprendeu o soroban ainda com 7 anos de idade no Instituto Paranaense de Cegos. “Só usei o soroban até a quarta série e depois relaxei, ficando mais a vontade com a calculadora”, revelou.

O uso do soroban pode ser flexibilizado para ensinar todos os alunos, independente da condição visual e uma das maiores dificuldades é o desconhecimento da técnica por professores que atuam no ensino da matemática. Esse fato desmotivou Rafael a prosseguir. Foi “por falta de conhecimento dos professores que deixei de usar o soroban, pois eles ficavam nervosos por não saber como dar aula para cego”, disse.

O ministério da Educação, por meio da Secretaria de Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI)  disponibiliza um manual de técnicas operatórias, abordando as quatro principais técnicas para o ensino do soroban. é importante, também, que os professores procurem cursos com profissionais qualificados, evitando fontes desconhecidas e não oficiais. Há muitos materiais bons de consulta na internet, embora outros mostrem de maneira superficial e confusa como manipular o instrumento.

* Luciane Molina é pedagoga e pessoa com deficiência visual. Atua com educação inclusiva e formação de professores no Vale do Paraíba e Litoral Norte de SP.


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